O transporte aéreo de pets tem sido importante questão, tanto para as companhias aéreas, quanto para os tutores de animais domésticos de estimação e de apoio emocional – sendo estes últimos aqueles que ajudam pacientes com transtornos psicológicos, podendo ser cachorros, gatos, coelhos ou tartarugas, por exemplo
Não há no Brasil uma regulamentação específica para o transporte aéreo de animais domésticos e de suporte emocional. Isso se deve ao princípio da autorregulamentação do setor, um dos pilares básicos das agências regulatórias mais modernas.
Contudo, observa-se que o Poder Judiciário, sem respaldo técnico, tem “regulamentado” o tema, por meio de liminares, que não observam os regulamento internos e as condições do transportador.
O comando da Aeronáutica, por meio da Portaria 676/GC-5, revogada em 2017, editou as condições gerais de transporte aéreo e regulamentou a questão com as seguintes subdivisões:
(i) transporte geral de animais em compartimento de carga – artigo 45;
(ii) transporte de cães e gatos nas cabines das aeronaves – artigo 46; e
(iii) transporte de cães guias – artigo 47.
A normativa foi revogada pela Portaria 180/GC-3, substituída pela Resolução 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); o texto define que o transporte de cães guias é obrigatório em todos modais, incluindo o transporte aéreo, nos termos da Lei 11.126/2005.
Com essa resolução da Anac, foram reeditadas as Condições Gerais do Transporte Aéreo regular de passageiros, que em seu artigo 15, inciso 2º, determinou: “o transporte de animais e carga deverá observar regime de contratação e procedimento de despachos próprios.”.
Destaca-se o espírito legislativo da Anac, por ocasião da exclusão de regulamentação específica acerca do transporte aéreo de animais na Resolução 400/2016. Além disso, na Nota Técnica 05/2017, a agência regulatória se pronunciou sobre o tema da seguinte forma: “nenhuma empresa é obrigada a transportar animais, sendo certo que este serviço depende da estratégia de negócio da companhia”. Em outras palavras, prevalece o Regulamento Interno de cada companhia aérea.
A Anac tem como um de seus pilares básicos a autorregulamentação do setor, segundo o qual os serviços assessórios ao contrato de transporte, tais como transporte de bagagens; equipamentos de prática esportiva; e, animais, entre outros, devem ser de livre contratação entre o passageiro e a companhia aérea.
Ainda na esfera regulatória, e, em compasso com o entendimento da Anac, vale atentar para os artigos 738 e 747 do Código Civil, que, ao normatizarem o transporte em geral, tem como premissas:
(i) a pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador; e
(ii) o transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento.
Atualmente, a maioria das companhias aéreas, nacionais e internacionais, aceitam o transporte de cães e gatos dentro da cabine, acomodados em caixas transportadoras apropriadas, até o limite total de dez quilos.
Animais que excedam esse limite de peso, ou que não possam ser acomodados em caixas apropriadas, devem ser transportados em compartimentos de carga pressurizados, quando houver, mediante a apresentação de documentos atestando a saúde e vacinação, e o pagamento das taxas para o transporte.
Os animais de suporte emocional que não se enquadrem na categoria cães e gatos geralmente não são aceitos dentro da cabine da aeronave. Porém, partindo do princípio constitucional de que o transporte aéreo é concessão do Estado ao particular, o tema passou a ser judicializado. Neste sentido, é relevante a ação civil pública na 6ª Vara Federal de Curitiba, junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região1, com farta linha argumentativa para consulta.
As manifestações da Anac, na referida ação civil pública, seguem o princípio da autorregulamentação do mercado, e, atribui às companhias aéreas o direito de aceitar ou não o transporte.
Muitas são as dificuldades encontradas na uniformização e regulamentação do tema, em um cenário onde devem ser considerados fatores relacionados às características da operação, como: “localidades atendidas, tempo de voo, existência de escala ou conexão, tipo de equipamento (configuração da aeronave), estrutura aeroportuária, estrutura de pessoal, quantidade de animais a bordo, regras internacionais, entre outros”.
No âmbito do transporte aéreo internacional, nos deparamos com fatores ainda mais complexos, pois as companhias aéreas devem cumprir as regulamentações dos países de conexão e destino, que podem variar em relação aos requisitos de documentação de saúde e vacinação dos animais.
Portanto, é importante que os tutores de animais verifiquem as regulamentações e condições de transporte da companhia aérea, principalmente em relação aos países de conexão e de destino, antes de decidir pela aquisição do bilhete aéreo.
Nos últimos anos, se observa um aumento significativo de casos de liminares deferidas por juízes brasileiros, determinando o transporte de animais dentro da cabine, tanto em voos domésticos, como em voos internacionais. No entanto, tais liminares podem ter consequências jurídicas graves, tanto para os tutores dos animais quanto para as companhias aéreas.
Do ponto de vista dos tutores de pets, o não cumprimento das regulamentações da empresa aérea e dos países de conexão e destino pode resultar em multas, apreensão do animal e até mesmo impedimento de entrada no país de destino. Além disso, as companhias aéreas podem ser responsabilizadas por problemas de saúde ou segurança que o animal venha a apresentar durante o transporte, bem como serem multadas pelas agências locais de transporte e de saúde.
Do ponto de vista jurídico, as liminares que permitem o transporte de animais, sem o cumprimento das regulamentações inseridas no Contrato de Transporte Aéreo, podem conflitar nos seguintes aspectos:
(i) segurança de voo;
(ii) autoridade do comandante da aeronave; e
(iii) limite da jurisdição brasileira em voos internacionais.
As liminares deferidas por um juiz brasileiro para voos nacionais tem o seu cumprimento levado a efeito pela grande maioria das companhias aéreas nacionais, salvo exceções decorrentes de capacidade das aeronaves. Porém, para o cumprimento da ordem liminar, não se faz um levantamento prévio do risco ao qual a companhia aérea, a tripulação, os passageiros e o animal estão sendo submetidos.
Por óbvio que o transporte aéreo é algo de extrema complexidade e estudos técnicos são obrigatórios para a mudança de qualquer procedimento realizado por uma companhia aérea, razão pela qual as empresas, frequentemente por não se sentirem seguras, questionam o cumprimento das ordens judiciais.
Em relação a voos internacionais, o maior problema que se verifica, além dos já expostos, é o da perda de jurisdição das ordens liminares exaradas por um juiz brasileiro em outros países. Muitas vezes, isso torna impossível o cumprimento da ordem liminar por parte da companhia aérea, sob pena de se violar soberania de outro Estado, uma vez que não se sabe:
(i) qual seria o limite da ordem liminar exarada pelo Poder Judiciário, se apenas ao embarque do animal ou para garantir que o país de destino do passageiro o receba;
(ii) quais as consequências jurídicas que a recusa de um país em receber um animal embarcado por liminar pode gerar à empresa aérea transportadora.
O tema é polêmico, existindo um forte movimento entre a agência reguladora, os tribunais, o Ministério Público, companhias aéreas e tutores de pets para uma regulamentação. Enquanto não houver norma específica, o Contrato de Transporte Aéreo e as condições estabelecidas pela companhia aérea devem prevalecer, notadamente, por existirem razões técnicas e de segurança apropriadas que não comportam interferência externa sem o prévio conhecimento técnico que a situação exige.
1. Número do processo da ação civil pública que tramita no TRF4: 5045589-92.2021.4.04.7000.
Fonte: Jota