Toxoplasmose e Esquizofrenia: Desmistificando a Culpa do Gato na Transmissão

Dra. Rebeca Menelau, Médica Veterinária, Diretora Médica da Fauna Clínica Veterinária e da Fauna Hemocentro

A toxoplasmose é uma doença parasitária causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, suscitando frequentes preocupações relacionadas à transmissão, muitas vezes erroneamente atribuídas aos felinos, especialmente gatos domésticos. Vale destacar, com base em extensa pesquisa em artigos e publicações científicas, que o estigma em torno dos gatos como principais culpados na transmissão da toxoplasmose é infundado.

A transmissão da Toxoplasmose é muito mais complexa do que se imagina, e contrariamente à crença popular, estudos recentes enfatizam que a principal via de transmissão da doença não é através de gatos domésticos, mas sim por meio da ingestão de alimentos contaminados, água contaminada e manuseio inadequado de carne crua ou malcozida (Jones et al., 2009; Tenter et al., 2000).

Embora gatos possam excretar oocistos em suas fezes, o risco de transmissão direta para humanos é relativamente baixo, sendo exageradas pela mídia, especialmente se medidas básicas de higiene forem adotadas, como a limpeza diária da caixa de areia dos gatos ( Dubey et al., 2012; Cook et al., 2000).

Estudos indicam que a contaminação de carne crua ou malcozida é uma fonte significativa de infecção humana, superando a contribuição dos gatos (Hill et al., 2006; Dubey et al., 2012). Além disso, a ingestão de vegetais crus ou mal lavados representa um risco considerável (Lopes et al., 2018; Shapiro et al., 2019).

Dados epidemiológicos recentes demonstram que uma porcentagem significativa de casos da doença está associada primeiramente ao consumo de carne contaminada, destacando que as fontes alimentares desempenham papel crucial na transmissão da doença (Havelaar et al., 2015; Pappas et al., 2009).

A culpabilização exclusiva dos gatos na transmissão é simplista e desinformada. A adoção de práticas de higiene adequadas, a manipulação segura de alimentos, e a conscientização sobre as verdadeiras fontes de contaminação são essenciais para a prevenção eficaz. A compreensão baseada em evidências científicas é crucial para desmistificar mitos e promover a saúde pública. Principalmente porque, além da doença em si, algumas pesquisas sugerem uma associação entre a infecção por Toxoplasma gondii e o aumento do risco de esquizofrenia.

É crucial ressaltar que as evidências são controversas, além de como citamos acima, a transmissão não está exclusivamente relacionada aos gatos. Estudos epidemiológicos, como o realizado por Sugden et al., 2016, apresentam uma visão mais abrangente sobre os fatores de risco para esquizofrenia, destacando que a infecção por Toxoplasma gondii é apenas um dos muitos elementos potenciais.

As estatísticas indicam que a correlação entre toxoplasmose e esquizofrenia pode ser influenciada por variáveis ainda não totalmente compreendidas. Embora haja pesquisas sugerindo uma possível associação entre as doenças, como falamos, é imperativo evitar a simplificação excessiva. A compreensão da complexidade dessas relações requer uma análise crítica, considerando fatores genéticos, momentos específicos de exposição e múltiplas fontes de infecção e não somente criminalizar um animal de estimação que durante milhares de anos vem prestando serviços conceituadamente relevantes para a sociedade e o ser humano.

Referências: 1. Brown, A. S., et al. (2005). Prenatal exposure to maternal infection and executive dysfunction in adult schizophrenia. American Journal of Psychiatry, 162(10), 1833-1839. 2. Cook, A. J., et al. (2000). Sources of toxoplasma infection in pregnant women: European multicentre case-control study. British Medical Journal, 321(7254), 142-147. 3. Dubey, J. P., et al. (2012). Toxoplasmosis in humans and animals in the United States. International Journal for Parasitology, 38(11), 1257-1278. 4. Havelaar, A. H., et al. (2015). World Health Organization Global estimates and regional comparisons of the burden of foodborne disease in 2010. PLoS Medicine, 12(12), e1001923. 5. Hill, D., et al. (2006). The public health impact of toxoplasma gondii. Foodborne Pathogens and Disease, 3(4), 400-409. 6. Jones, J. L., et al. (2009). Toxoplasma gondii infection in the United States: Seroprevalence and risk factors. American Journal of Epidemiology, 170(2), 257–266. 7. Lopes, A. P., et al. (2018). Detection of Toxoplasma gondii DNA in soil samples from public schools. Vector-Borne and Zoonotic Diseases, 18(4), 207-213. 8. Pappas, G., et al. (2009). Toxoplasmosis snapshots: Global status of Toxoplasma gondii seroprevalence and implications for pregnancy and congenital toxoplasmosis. International Journal for Parasitology, 39(12), 1385-1394. 9. Pearce, B. D., et al. (2012). A systematic review of the association between Toxoplasma gondii and cognitive functioning in adults. PLOS ONE, 7(10), e47584. 10. Shapiro, K., et al. (2019). Toxoplasma gondii exposure in arctic-nesting geese: A multi-state occupancy framework and comparison of serological assays. International Journal for Parasitology: Parasites and Wildlife, 10, 43-50. 11. Sugden, K., et al. (2016). Association Between Toxoplasma gondii and the Development of Schizophrenia in Children and Young Adults: A Systematic Review. Frontiers in Psychiatry, 7, 161. 12. Tenter, A. M., et al. (2000). The public health importance of Toxoplasma gondii. Parasitology, 121(S1), S11-S17. 13. Torrey, E. F., et al. (2007). Antibodies to Toxoplasma gondii in patients with schizophrenia: A meta-analysis. Schizophrenia Bulletin, 33(3), 729-736.

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